‘Travesti não é bagunça’: roteiro inclui casarão onde viveu ícone LGBT

Rolé Carioca vai a local onde Luana Muniz acolhia trans na Lapa e outros espaços de resistência. ViDA & Ação abre especial Orgulho LGBTQIAPN+

A travesti Luana Muniz, protagonista do documentário "Filha da Lua", morreu em 2017 (Foto: Guilherme Correa)
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Você conhece a história de Luana Muniz, travesti que ficou famosa por lutar por direitos para a comunidade LGBTQIAPN+ num tempo em que a sigla ainda não existia, mas o preconceito era ainda mais forte? Em alusão ao Dia Mundial do Orgulho LGBTQIAPN+ (28 de junho), o Portal Portal ViDA & Ação, por meio das seções Diversidade e Direitos Humanos, promove uma série de reportagens especiais, trazendo luz às conquistas e desafios dessa comunidade. Confira a primeira delas! 

Na década de 70, em plena ditadura militar e muita repressão, Luana Muniz saiu de casa, ainda adolescente, para se prostituir. Modificou seu corpo e foi trabalhar em diversos países da Europa. Na volta ao Brasil, montou um casarão na Rua Mem de Sá, na Lapa, tradicional reduto boêmio da região central do Rio de Janeiro, onde alugava quartos para travestis, transexuais, pessoas com HIV, mulheres prostitutas e pessoas em situação de rua.

Rolé Carioca leva visitantes a espaços de resist|ência e ocupação do movimento pelos diretos LGBTQIAP+ (Foto: Divulgação)

Conhecida como a “Rainha da Lapa”, Luana ficou famosa pela frase “travesti não é bagunça”, após aparecer no programa ‘Profissão Repórter’, da TV Globo. Tornou-se referência no sentido de cuidar do comportamento, da prevenção de doenças e dos direitos dessa comunidade. Uma das fundadoras do projeto Damas da Prefeitura, que capacita travestis e transexuais para o mercado de trabalho, também presidia a Associação dos Profissionais do Sexo do Gênero Travestis, Transexuais e Transformistas do Rio de Janeiro.

Entre os muitos amigos que fez por conta do seu trabalho social, está o Padre Fábio de Melo. Em um vídeo no Youtube, o sacerdote relembra o companheirismo da ativista e se emociona. Em 2021, a história da Rainha da Lapa foi contada no documentário Luana Muniz – Filha da Lua, de Leonardo Menezes e Rian Córdova.

Em 2017, Luana morreu, aos 59 anos, devido a complicações de uma pneumonia. Seis anos depois de sua morte, o casarão onde ela viveu e abrigou dezenas de outras travestis é um dos pontos de visitação de um roteiro inédito que o Rolé Carioca promove neste sábado, dia 24 de junho, para celebrar e reverenciar a resistência LGBTQIAPN+ pela cidade.

‘História invisibilizada pela estrutura cisheteronormativa’

Do primeiro crime de homofobia no Brasil contra um indígena até a resistência de Luana Muniz, o passeio especial do Rolé Carioca promove um passeio cultural por lugares de memória, de convivência e de luta e resistência do movimento LGBTQIAPN+. O evento é gratuito, livre de inscrições e parte da Praça Tiradentes às 10h.

O roteiro, feito em parceria com o pesquisador, jornalista e roteirista Guilherme Macedo traz um olhar crítico ao apontar para a “história dos grupos invisibilizados pela estrutura cis heteronormativa desde o período colonial”.

“É muito importante que a população do Rio de Janeiro possa compreender que sua História está profundamente entrelaçada às vivências e ocupações da comunidade LGBTQIAP+. E é igualmente importante que essa comunidade se sinta pertencente aos espaços que ela ocupa no presente e também aos que ela já ocupou no passado”, afirma o pesquisador.

O Rolé é um projeto cultural que existe desde 2012 e tem como objetivo pesquisar e difundir sobre a história da cidade, em suas múltiplas camadas. Segundo Isabel Seixas, idealizadora do projeto, “a cidade é plural e de todes, sendo imprescindível contar sua história sob múltiplos pontos de vista e levando em consideração as camadas de luta, resistência e conquistas”.

Nessa edição, a equipe de professores do Rolé recebe o reforço de Wescla Vasconcellos e Vahnessa Musch, pesquisadoras LGBTQIAP+ que valorizam as narrativas de representatividade pela cidade a partir de grupos minorizados. Ao final do passeio, performances de coletivos LGBTQIAP+ serão realizadas.

Conheça os outros pontos do roteiro LGBTQIAP+ e intervenções

Além de Luana Muniz, o percurso reforça também a memória de personagens como Madame Satã e João do Rio e outros, famosos ou não, que sempre tiveram o Centro do Rio como espaço de socialização, trabalho, resistência e diversão.

Madame Satã era o pseudônimo de João Francisco dos Santos, um transformista negro e pobre que se tornou figura emblemática da vida boêmia e marginalizada da Lapa.

O circuito passa por pontos representativos como Praça Tiradentes, Teatro João Caetano e Teatro Rival, Grupo Arco Íris; e rememora eventos como a Gayfieira, o Baile dos Enxutos e o ‘isoporzinho das sapatão’, além de instituições de acolhimento e direitos humanos e cidadania ao público LGBT.

Praça Tiradentes

No passado conhecida como Largo do Rossio, a Praça Tiradentes foi palco de diversos eventos históricos e também espaço de convivência dos excluídos da sociedade. Em 2015 foi também palco da terceira edição do evento itinerante Isoporzinho das Sapatão, criado por mulheres que buscavam e não encontravam bares ou festas voltados para o público lésbico, com a proposta de ocupar o espaço público e afirmar suas identidades.

Teatro João Caetano

Na casa de espetáculos mais antiga do Rio de Janeiro, acontecem e aconteceram diversos eventos voltados para as comunidades LGBTQIAP+, como, por exemplo, o Baile dos Enxutos, evento carnavalesco para o público gay e travesti criado na década de 1940 com performances que desafiavam as noções de masculinidade e feminilidade.

Hotel Ibis

No local funcionou o Hotel São José, ponto de encontro em eventos noturnos como a Gayfieira. Em 1931 houve um incêndio e a partir dos escombros preservados foi criada a Casa de Caboclo, com espetáculos muito frequentados pelas classes populares. Nela, se apresentou pela primeira vez Madame Satã, interpretando a Mulata do Balacochê no espetáculo Loucos em Copacabana.

Cine Íris e Cine Rex

Inaugurado em 1918, o Cine íris exibiu diversos filmes mudos acompanhados por orquestras, mas na década de 1970, para continuar a operar, passou a investir principalmente em pornochanchadas, veiculando arte erótica, o que acompanha a humanidade desde seus primórdios.

Assim, o público que o frequenta tornou-se em maioria de homens gays. Também foram inseridos shows de strip-tease na programação que contava com a participação de muitas mulheres trans.

Já o Cine Rex é uma tradicional sala de exibição de filmes pornográficos e de pegação entre homens.

Grupo Arco-Íris

Uma organização não governamental, sem fins lucrativos, cuja missão é promover qualidade de vida, direitos humanos e cidadania ao público LGBT. Foi criado em 1993, a partir do sonho de um grupo de amigos em resposta a epidemia de AIDS e a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Turma OK

Fundado em 1961, é considerado o mais antigo grupo social transviado do Brasil em atividade. Porém, entre o ano de 1969 e 1975, o clube permaneceu fechado por causa das ameaças de violências repressivas do período da ditadura militar.

Hoje instalado no sobrado de um pequeno prédio na Rua dos Inválidos, a casa promove reuniões entre os sócios, recebe convidados e apoiadores para almoços, noites de bingo e espetáculos de variedades, onde os shows de gogoboys e transformistas novatas e veteranas são a grande atração.

Cabaré da Jacke

Bar/boate fundado no mesmo local onde funcionava a boate Sinônimo, point LGBT. A proprietária, Jacke, é uma travesti que promove festas e shows e se preocupa em empregar travestis.

Cabaré Casanova

Aberto em 1937, com o nome Viena Budapeste, o espaço renomeado Cabaret Casanova era considerado um dos espaços mais antigos da Lapa. Situada na Avenida Mem de Sá, a casa foi referência na noite LGBTQIA+ do Rio, em especial, devido às apresentações de ícones da arte drag brasileira, como Laura de Vison e Meime dos Brilhos. Foi no Casanova que se formou o grupo Dzi Croquettes e que o lendário Madame Satã fez suas últimas incursões pela Lapa boêmia.

Ocupa Sapatão (Escadaria da Câmara dos Vereadores)

A vereadora Marielle Franco – brutalmente assassinada junto com seu motorista sem que até hoje tenham identificado e prendido os mandantes do crime – mobilizou uma agenda de lutas coletivas com o projeto de lei do “Dia da Visibilidade Lésbica” para a data 29 de agosto no calendário oficial do município do Rio de Janeiro, o qual foi rejeitado em 2017.

O fato levou a uma ocupação nas escadarias da Câmara dos Vereadores do Rio, o Ocupa Sapatão, para fortalecer o debate sobre os direitos das pessoas LBTs e a necessidade de políticas públicas. A pauta foi continuada até a aprovação em 2022 do Dia Municipal da Visibilidade Lésbica.

Teatro Rival

O espaço foi inaugurado no dia 22 de março de 1934 e passou a ser do avô da atriz Leandra Leal, Américo Leal, em 1970. Por lá, já passaram apresentações de teatro de revista teatro rebolado e também espetáculos icônicos com as travestis Rogéria, Marquesa, Brigitte de Búzios, Jane Di Castro, Divina Valéria, Eloína dos Leopardos, Camille K e Fujika de Halliday.

ONG celebra inclusão LGBTQIAP+ por meio das artes

Ainda na região central da cidade, um equipamento cultural importante abre as portas para celebrar a diversidade. O o Museu de Arte do Rio (MAR), recebe também neste sábado a roda de conversa “Cultura como inclusão social para pessoas LGBTQIAP+”.

A mesa reunirá especialistas, artistas e representantes de projetos culturais, que compartilharão suas experiências, práticas e perspectivas sobre como a cultura pode promover o acolhimento, propondo um diálogo sobre a construção de uma sociedade mais diversa e inclusiva.

Com o evento, a ONG Casinha celebra a resistência de ser lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e pessoa não binária e o sucesso da terceira edição do projeto Trapézio Cultural, que levou oficinas de aprendizagens artísticas (drag, grafite, ilustração, literatura), por meio do funk e cultura ballroo, para moradores de favelas e bairros periféricos LGBTQIA+ como Rocinha, Maré e Praça Seca.

Rolé Carioca, 10 anos e mais de 650 roteiros

O Rolé Carioca é um projeto cultural que pesquisa, cataloga e difunde conteúdo sobre o patrimônio histórico e cultural do Rio de Janeiro. Com mais de 50 mil seguidores nas redes sociais, tem a missão de formar um acervo multiplataforma sobre a história, cultura e memória da cidade, com ações que o apresentam em diferentes formatos, tais como passeios guiados por mais de 650 roteiros, banco de dados com mais de 500 pontos mapeados, canal de vídeos, site, jogo, aplicativo etc.

Criado em 2012 a partir de passeios presenciais por diferentes roteiros, contando histórias sobre o Rio e seus personagens, o Rolé adaptou sua programação ao momento de pandemia, para continuar a ouvir histórias de moradores e trazer reflexões sobre o espaço urbano, por meio de ações como o museu virtual Mapa de Memórias, o webseminário Papo de Rolé e a mostra de filmes CineCidades.

O projeto considera as dimensões sociais, culturais e naturais do Rio para construir plataformas práticas de difusão da memória da cidade: uma memória social, histórica e afetiva. Por sua metodologia e resultados, o Rolé Carioca foi um dos vencedores de 2019 do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo IPHAN a iniciativas de preservação e difusão do patrimônio histórico e cultural.

O canal de vídeos do Rolé está no ar e em constante crescimento, já tendo mais de 50 vídeos disponíveis sobre a história do Rio de Janeiro e ao longo do ano novos conteúdos serão lançados. O conteúdo é de utilidade para professores, alunos, moradores e turistas que querem descobrir mais sobre a cidade.

A edição de 2023 do Rolé Carioca conta com o patrocínio da Petrobras e White Martins, e realização do Ministério da Cultura e do Governo Federal União e Reconstrução; patrocínio por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro e copatrocínio da Estácio em parceria com o Instituto Yduqs, e da First RH Group. 

Com informações do Rolé Carioca e ONG Casinha

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